Honorários em IDPJ - para qual lado penderá o pêndulo?

A pergunta que se faz no título deste artigo diz respeito a um problema enfrentado pela Corte Especial do STJ, no dia 13 de fevereiro deste ano, ao apreciar o REsp 2.072.206/SP: a Corte Superior firmou entendimento no sentido de que o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.


No entanto, com esse entendimento, o STJ faz o pêndulo pender para o lado ocupado por sócios quando seus interesses estão em conflito com credores da sociedade.

Para entendermos melhor o que está em jogo nesse dilema técnico, apresentaremos o problema contextualizado pela teoria agencialista.

Três problemas genéricos de agência decorrem da forma em que é estruturada as sociedades. Aqui, temos em mira a sociedade isolada, já que os problemas de agência ganham maior complexidade nos grupos societários, o que foge ao escopo deste texto.

Voltando à perspectiva inicial, a da sociedade isolada, temos que o primeiro gênero de problemas envolve o conflito entre os sócios e os administradores. Aqui os sócios são os principais e os gestores são os agentes (interesses dos titulares de ações ou quotas versus interesses daqueles que podem dispor sobre os bens sociais). Esse problema reside em assegurar que os gestores respondam aos interesses dos sócios, em vez de perseguirem os seus próprios interesses pessoais.1

O segundo gênero de problemas de agência envolve o conflito entre os sócios que detêm o controle societário e aqueles sócios não controladores. Aqui os sócios não-controladores podem ser considerados como os principais e os controladores como agentes (aqueles que conduzem direta ou indiretamente os negócios sociais), e a dificuldade reside em assegurar que os primeiros não sejam expropriados por esses últimos. Embora esse problema seja mais notório nas tensões entre sócios majoritários e minoritários, aparece sempre que um subconjunto de sócios controla as decisões que afetam a classe como um todo.

O terceiro gênero de problemas de agência envolve o conflito entre a própria sociedade - incluindo, em particular, os seus sócios - e as outras partes com quem a sociedade estabelece relações, tais como os credores, fornecedores, empregados e clientes. Aqui a dificuldade reside em assegurar que a sociedade (ou os seus sócios), como agente, não se comporte de forma oportunista em relação a esses vários outros interesses - como, por exemplo, expropriando credores, explorando trabalhadores, ou induzindo em erro os consumidores.2

Quando perspectivamos o Direito do ponto de vista histórico, percebemos que suas mutações funcionam em variados momentos em sentidos diferentes: às vezes protegendo um determinado grupo em disputa e desfavorecendo o outro. É assim também quando analisamos esse movimento diante dos três gêneros de problemas de agência, tal qual um pêndulo de Foucault: ora o Direito enfatiza a proteção de sócios em detrimento dos interesses dos gestores, ora dos minoritários e preferencialistas em detrimento dos interesses dos controladores e ora da sociedade ou de seus sócios em detrimento dos interesses dos credores sociais ou em sentidos reversos para as três hipóteses.

A metáfora serve bem para pontuar esses movimentos históricos. Foi assim quando o Direito passou a admitir a penhora das quotas de sócios em sociedades limitadas. A par de discussões envolvendo a natureza desse tipo societário - se de pessoas, de capital ou híbrido, mais alinhadas à investigação própria da dogmática societarista, no plano pragmático, o pêndulo passou a pender para o lado do grupo dos credores dos sócios, deixando de proteger os interesses dos partícipes do contrato social (os sócios).

E, agora, diante do dilema enfrentado pela jurisprudência do STJ: fixar ou não honorários sucumbenciais em caso de improcedência do IDPJ, põe-se a mesma questão: para qual lado penderá o pêndulo do Direito? Protegerá interesses de sócios ou de credores sociais? O STJ escolheu o lado vencedor neste jogo: os sócios e administradores sociais.

Se a tese vencedora fosse a que nega o cabimento da condenação em honorários advocatícios em IDPJ, o pêndulo teria pendido para o lado dos credores da sociedade. Ilustra esse movimento o acórdão proferido no REsp 1845536/SC, publicado em 9/6/20, segundo o qual "[n]ão é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente." Ou a decisão monocrática proferida pelo min. Marco Buzzi, nos autos do REsp 2054280/SP publicado em 27/4/23: "[c]omo se vê, o acórdão recorrido destoa do entendimento desta Corte acerca da matéria, segundo o qual, em razão da ausência de previsão normativa, não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica."

Por outro lado, como a tese vencedora se fundamenta na dogmática processualista afirmando que apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido, o atual entendimento do STJ acaba por beneficiar os interesses de sócios e administradores de sociedades.

Ao lado das discussões que envolvem a dogmática do Direito Processual, queremos aqui abordar o plano das consequências da adoção de uma ou outra tese jurídica (o plano pragmático).

Há sem dúvidas benefícios sociais produzidos pela separação patrimonial possibilitada, principalmente, pela ocorrência no Direito da regra de limitação de responsabilidade dos sócios - a depender do tipo societário contratado - e pela autonomia patrimonial. Destaca-se nesse sentido a economia em custos de transação oriundos de incertezas ou riscos a que estariam submetidos os investidores caso não houvesse tal segregação de patrimônios.

Entretanto, essa separação entre os patrimônios sociais e os individuais dos sócios não deve ser absoluta, como ocorre nos casos em que a própria personalidade é instrumento de abuso, fazendo-se incidir as regras sobre a desconsideração da personalidade jurídica, a qual possibilita que os sócios ou os administradores sociais respondam por obrigações da pessoa jurídica.

Normas jurídicas - sejam elas legais ou jurisprudenciais - que restrinjam a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, como é o caso da lei de liberdade econômica, que alterou o texto legal previsto no art. 50 do CC, produzem o efeito de proteger com maior vigor os interesses dos sócios quando estão em disputa com os credores sociais.

Da mesma forma, uma norma jurisprudencial que torne mais custoso o manejo do IDPJ, impondo a condenação em honorários de sucumbência à parte vencida no incidente, nos casos de sua improcedência, acolhe os interesses de sócios e desacolhe os interesses dos credores sociais, quando ditos interesses estão em disputa (primeira solução). Caso a norma seja construída em sentido oposto, aliviará de custos o manejo do incidente, privilegiando, no jogo, os interesses dos credores da sociedade (segunda solução). Como se vê, aplica-se a metáfora do pêndulo.

Essa lógica deve-se ao raciocínio econômico que bem explica o comportamento dos sujeitos implicados na disputa: se há risco de condenação em verbas sucumbenciais, caso o apresentante do incidente seja derrotado, seu comportamento é refreado diante dos custos oriundos dos riscos e incertezas presentes no modelo processual. Caso, por outro lado, não haja esse risco (havendo somente o risco derivado da demanda principal), os custos transacionais suportados pelo credor seriam reduzidos.

Assim, a solução adotada pelo STJ acaba por privilegiar o grupo dos sócios quando estão em disputa com os credores sociais, já que os credores suportam custos econômicos elevados. A solução alternativa (afastada agora pela Corte Especial do STJ), no imediatismo, favoreceria o grupo dos credores da sociedade, vez que haveria incentivos para o questionamento acerca do abuso da personalidade jurídica por parte dos credores (os custos econômicos envolvidos seriam reduzidos).

Entretanto, os efeitos decorrentes das diferentes soluções não repercutem unicamente na esfera de interesses das partes do processo principal e do correlato incidente. Há repercussões para a sociedade civil com impacto nos chamados custos sociais oriundos das externalidades (aqueles percebidos pela coletividade e que se contrastam com os custos privados, internos aos agentes econômicos) decorrentes da exploração de atividades econômicas.

Em relação aos credores voluntários - aqueles que deliberadamente firmam relações jurídicas com o devedor pessoa jurídica - há, na solução atual adotada pelo STJ, prejuízo no sentido de terem que suportar maior risco e, portanto, maior custo de transação, nos casos em que pretendam questionar o abuso da personalidade jurídica. O Direito, portanto, funciona refreando o seu comportamento e protegendo, por consequência, com maior intensidade, o grupo dos sócios.

Entretanto, a situação é agravada, nessa hipótese, em relação aos credores involuntários que não decidem estabelecer relações jurídicas com o devedor. São os casos recorrentes de vítimas de danos provocados por pessoas jurídicas, que, não raro, diante do abuso de personalidade jurídica, do devedor se socorrem na desconsideração da personalidade jurídica visando a responsabilização de sócios e administradores.

Há nesses casos relevantes custos suportados por tais credores diante de uma ação de responsabilização, que poderão ser acrescidos de custos adicionais advindos do risco em serem condenados no pagamento de honorários advocatícios para o advogado da parte vencedora caso o incidente seja julgado improcedente.

Esse cenário, do ponto de vista das consequências sociais, influencia no cálculo dos agentes econômicos quando perturba (dificulta) a efetividade dos mecanismos de reparação e, por consequência, desestimula economicamente que tais agentes econômicos adotem medidas preventivas visando a internalização de custos sociais.

Nesse jogo, estão em disputa interesses de sócios de um lado e interesses de credores sociais de outro. O pêndulo se moveu - para o lado dos interesses de sócios e administradores sociais. Mas as consequências são mais amplas e atingem outros interesses para além dos interesses concretos de credores sociais: a sociedade civil arcará com os custos (as externalidades).

1 ARMOUR, John; HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier. Agency problems, legal strategies, and enforcement. 2009.

2 ARMOUR, John; HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier. Agency problems, legal strategies, and enforcement. 2009.

Artigo originalmente publicado em:

 https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/425608/honorarios-em-idpj--para-qual-lado-pendera-o-pendulolo? - Migalhas


 


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